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Do clássico ao contemporâneo: entenda o que são os Princípios Contratuais




Os princípios


Os princípios contratuais funcionam como um alicerce para as leis que regem os negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais. Não somente situados no corpo do Código Civil, estes princípios estão em outras legislações, como o Código de Defesa do Consumidor, sendo pautados nos ideais da Constituição Federal de 1988.


Os princípios clássicos, tradicionalmente vistos no Código Civil de 1916, como a autonomia privada e a força obrigatória dos contratos, possuem o aspecto patrimonialista e individualista, ressaltando a essência contratual. No entanto, hodiernamente, tais princípios possuem os seus ideais ponderados através da inclusão dos princípios contemporâneos, como a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, os quais consideram as transformações advindas da Constituição de 1988 e incorporam os fundamentos do princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da isonomia.



Princípios clássicos: autonomia privada e força obrigatória


O princípio da autonomia privada indica a liberdade do sujeito para regular os seus interesses econômicos e jurídicos-contratuais. A liberdade contratual e a liberdade de contratar, incorporadas ao juízo, são reflexos do liberalismo político e econômico que permeou o século XX. Todavia, essa autonomia é limitada, não podendo atuar somente em prol do patrimônio, devendo observar os interesses metaindividuais e relativos à dignidade humana.


Sob esta análise, é válido destacar que a Lei 13.874/2019 [1], chamada de Lei da Liberdade Econômica, desejou valorizar a liberdade contratual por meio da implementação da intervenção mínima do Estado nas relações contratuais. De modo contrário, a nova Lei regride aos preceitos da autonomia da vontade, a qual visa a segurança jurídica e a liberdade contratual exacerbada, além de desconsiderar o dirigismo contratual, que indica a intervenção estatal nas relações contratuais para assegurar os fins sociais, equilibrar o individualismo e garantir a força vinculante do negócio jurídico.

Por outro lado, decorrente da ideia clássica de autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos preconiza que tem força de lei o estipulado pelas partes na avença, constrangendo os contratantes ao cumprimento do conteúdo completo do negócio jurídico. Esse princípio importa em autêntica restrição da liberdade, que se tornou limitada para aqueles que contrataram a partir do momento em que vieram a formar o contrato consensualmente e dotados de vontade autônoma.


Ao contrário de outras codificações do Direito Comparado, não há previsão expressa desse princípio no Código Civil. Todavia, os artigos 389, 390 e 391 da atual codificação material, que tratam do cumprimento obrigacional e das consequências advindas do inadimplemento, afastam qualquer dúvida quanto à manutenção da obrigatoriedade das convenções como princípio do ordenamento jurídico privado brasileiro.


Anote-se que o princípio da força obrigatória como regra máxima tinha previsão já no Direito Romano, segundo o qual deveria prevalecer o pacta sunt servanda, ou seja, a força obrigatória do estipulado no pacto. Não poderia, portanto, sem qualquer razão plausível, ser o contrato revisto ou extinto, sob pena de acarretar insegurança jurídica ao sistema.


A realidade jurídica e fática do mundo capitalista e pós-moderno não possibilita mais a concepção estanque do contrato. O mundo globalizado, a livre concorrência, o domínio do crédito por grandes grupos econômicos e a manipulação dos meios de marketing geraram um grande impacto no Direito Contratual, realidade que não pode ser alterada pela Lei da Liberdade Econômica, notadamente nos casos de abusos contratuais cometidos por uma parte contra a outra.

Dentro dessa realidade, o princípio da força obrigatória ou da obrigatoriedade das convenções sempre esteve previsto em nosso ordenamento jurídico, mas não mais como regra geral, como antes era concebido. A força obrigatória constitui exceção à regra geral da socialidade, secundária à função social do contrato e à boa-fé objetiva, princípios que imperam dentro da nova realidade do Direito Privado Contemporâneo.



Princípios contemporâneos: função social e boa-fé objetiva


O princípio da função social dos contratos surge de acordo com as novas demandas sociais. As legislações supracitadas, na busca da personalização e constitucionalização do Direito, junto às transformações político-sociais, impuseram a função social para que os contratos observassem o contexto social, em busca da vedação aos abusos ou excessos de uma das partes. Tal juízo atua para a mitigação do princípio da força obrigatória dos contratos, contudo, após o surgimento da Lei 13.874/2019 e as mudanças no artigo 421 do Código Civil [2], o princípio passou a relativizar, também, a autonomia privada.


Ainda sob o contexto da função social, o princípio possui uma dupla eficácia nos contratos: a eficácia interna, que é indicada entre as partes, e a eficácia externa, que é atribuída para além das partes. O efeito produzido atua na limitação da liberdade contratual, ou seja, o conteúdo do negócio jurídico é ponderado pelo objetivo social. Ademais, ainda que o debate sobre as alterações no artigo 421 do Código Civil não estejam ultrapassados, o preceito da função social dos contratos cumpre o seu papel em regular os interesses sociais extracontratuais e estipula a intervenção estatal como o seu requisito.


Outrossim, uma das mais festejadas mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002 diante do CC/1916 refere-se à previsão expressa do princípio da boa-fé contratual. Como se sabe, a boa-fé, anteriormente, somente era relacionada com a intenção do sujeito de direito, estudada a partir da análise dos institutos possessórios, por exemplo. Nesse ponto era conceituada como boa-fé subjetiva.


Contudo, desde os primórdios do Direito Romano já se cogitava outra boa-fé, aquela direcionada à conduta das partes, principalmente nas relações negociais e contratuais. Com o surgimento do jusnaturalismo, a boa-fé ganhou, no Direito Comparado, uma nova faceta, relacionada com a conduta dos negociantes e denominada boa-fé objetiva. Da subjetivação saltou-se para a objetivação, o que é consolidado pelas codificações privadas europeias. Com essa evolução, alguns Códigos da era moderna fazem menção a essa nova faceta da boa-fé, caso do Código Civil português de 1966, do Código Civil italiano de 1942 e do BGB alemão, normas que serviram como marco teórico para o Código Civil Brasileiro de 2002.


Pois bem, tornou-se comum afirmar que a boa-fé objetiva, conceituada como exigência de conduta leal dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. São considerados deveres anexos, entre outros:


  • Dever de cuidado em relação à outra parte negocial;

  • Dever de respeito;

  • Dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio;

  • Dever de agir conforme a confiança depositada;

  • Dever de lealdade e probidade;

  • Dever de colaboração ou cooperação;

  • Dever de agir com honestidade;

  • Dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.


A quebra desses deveres anexos gera a violação positiva do contrato, com responsabilização civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé objetiva. Ademais, além da relação com esses deveres anexos, decorrentes de construção doutrinária, o Código Civil de 2002, em três dos seus dispositivos, apresenta três funções importantes da boa-fé objetiva.


  1. Função de interpretação (art. 113, caput, do CC) – eis que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração (regras de tráfego).

  2. Função de controle (art. 187 do CC) – uma vez que aquele que contraria a boa-fé objetiva comete abuso de direito (“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”).

  3. Função de integração (art. 422 do CC) – segundo o qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.



Conclusão


Foi demonstrado um panorama geral a respeito dos princípios contratuais - autonomia privada, função social, força obrigatória, boa-fé - que permeiam a criação dos acordos na atualidade. Portanto, aqueles têm a função de orientar a maneira como os acordos devem se encaminhar, uma vez que o respeito a eles é obrigatório pelas partes que escolhem fazer uma negociação.


Embora os princípios da autonomia privada e da força obrigatória sejam classificados como clássicos e apresentem uma propensão para a exacerbação que poderia ocasionar um abuso ou um excesso na negociação contratual - tais preceitos são ponderados através da inclusão dos princípios contemporâneos que incorporam os fundamentos da solidariedade social e dignidade humana, por exemplo.


Vale destacar que os princípios aludidos se complementam. A autonomia privada e a força obrigatória são atribuídas como a essência dos contratos, sejam paritários ou de adesão, e a função social e a boa-fé objetiva são atribuídas por meio da modernização da sociedade, sendo um reflexo dos ideais iluministas presentes na Constituição Federal de 1988.


Produzido por:

Beatriz Monteiro da Gama

Igor Porto



Referências Bibliográficas


[1] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 11. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2021.


[2] KONDER, Carlos Nelson. TEPEDINO, Gustavo. BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos do direito civil, vol. 3- Contratos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021



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