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Contratos: Rescisão Contratual em Tempos de Pandemia

Atualizado: 6 de ago. de 2020



O contrato se conceitua como “negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam” [1]. Dentre os princípios que o regem, destacam-se dois: o princípio da força obrigatória dos contratos e o princípio da intangibilidade.


A força obrigatória dos contratos diz que, uma vez firmado o contrato, as partes devem cumprir com suas obrigações estabelecidas no seio da relação contratual. [2] Enquanto isso, a intangibilidade veda qualquer alteração contratual sem consenso expresso das duas partes. [3] Entretanto, com o advento extraordinário, imprevisível e inevitável da pandemia, constatou-se o surgimento de diversos desequilíbrios contratuais, o que movimentou o mundo jurídico.


O direito civil brasileiro conta com alguns institutos jurídicos para lidar com esse tipo de situação, destacando-se o caso fortuito ou força maior, a teoria da imprevisão e a teoria da onerosidade excessiva.


A pandemia não é um fenômeno previsto expressamente pelo atual Código Civil (CC), porém, é possível enquadrar tal fenômeno como força maior ou caso fortuito. A definição desses termos ainda são variáveis na doutrina. Para Álvaro Villaça [4], o caso fortuito é um evento da natureza, já a força maior é um fato ligado ao homem. Para Maria Helena Diniz [5], a força maior é o evento inevitável, enquanto caso fortuito é o evento imprevisível. As doutrinas não convergem nas definições, contudo, como o artigo 393 do CC abrange igualmente ambas as situações, a necessidade de definir tais termos é secundária.[6]

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Dessa forma, o devedor não responderá pelos prejuízos causados por evento de caso fortuito ou força maior, exceto se o contrato previr expressamente o ressarcimento dos prejuízos consequentes desse acontecimento. O devedor também responderá caso estiver em mora e o fato extraordinário acontecer durante o atraso de prestação de serviço, salvo as exceções do artigo 399 do Código Civil [7]:

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

A teoria da imprevisão apresenta a oportunidade de revisão judicial do contrato quando, no ínterim da formação do contrato e o tempo de sua execução, ocorrer evento que desequilibre as prestações devidas. Se os motivos supervenientes que originaram o desequilíbrio tiverem sido previstos pelas partes no contrato (pandemia e/ou determinação de suspensão de atividades por autoridade pública competente), não será possível arguir a teoria em favor do devedor e da revisão contratual, por ausência de imprevisibilidade dos motivos que a fundamentam.


A pandemia pode afetar os contratos por causar onerosidade excessiva, o que gera um desequilíbrio contratual na seara econômica e, portanto, torna-se imperativo o direito à modificação das cláusulas contratuais ou o direito à rescisão contratual [8]:

Enunciado 367 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/STJ sobre o artigo 479 do Código Civil: “em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, ‘desde que ouvida a parte autora, respeita de sua vontade e observado o contraditório’”.
CDC: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Desse modo, a teoria da onerosidade excessiva autoriza que o devedor almeje a rescisão judicial do contrato se forem identificados alguns pressupostos: o contrato não ser do tipo aleatório (por ex. contrato de seguro); o contrato ser de execução diferida (prestação futura) ou continuada; surja alteração nas circunstâncias iniciais de contratação em razão de eventos extraordinários e imprevisíveis; a mudança torne a prestação de uma parte do contrato excessivamente onerosa; a mudança resulte em uma posição da outra parte extremamente vantajosa.


Sabendo dessas previsões legais e doutrinárias, cabe questionar se todos os tipos de contrato poderão usar os recursos apresentados acima, com base na pandemia instaurada, para proceder com a rescisão contratual. Para Anderson Schreiber [9], doutrinador contratualista, a resposta é não. De acordo com o mesmo, urge realizar uma análise situacional de cada caso, evitando generalizações a partir da interpretação de instrumentos jurídicos. Por conseguinte, somente os contratos de fato afetados pela pandemia poderão ser alterados ou rescindidos por esse motivo, ou seja, somente se houver profunda modificação nas condições objetivas contemporâneas à execução.


Ressalta-se que a extinção e a revisão de contratos em âmbito judicial são medidas extremas que devem ser utilizadas como última opção. Como alternativa à resolução contratual, apresenta-se a possibilidade de renegociação das cláusulas contratuais por vontade mútua, decorrente do dever de renegociar, fundado no princípio da boa-fé objetiva, que suscita os deveres anexos de lealdade e cooperação, entre outros. Assim, as partes envolvidas na relação contratual devem sempre tentar restabelecer o equilíbrio contratual de forma consensual, evitando litígios [10].


Cabe ainda dizer que, apesar de flexibilizados alguns princípios contratuais, como a força obrigatória dos contratos, em situações excepcionais de desequilíbrio, existe a necessidade de observar alguns princípios essenciais, como o princípios da razoabilidade e o princípio do equilíbrio contratual, que buscam estabelecer prestações que sejam adequadas à relação existente e que alcancem o equilíbrio financeiro, de modo que não haja onerosidade excessiva ou extrema vantagem para quaisquer das partes.


O atual cenário socioeconômico mundial é delicado. Dessa forma, os instrumentos jurídicos devem ser utilizados com cautela, com o intuito de preservar relações justas e equilibradas, efetivando, consequentemente, a função social dos contratos. Não se deve utilizar da pandemia em curso para dissolver relações de forma indiscriminada, visto que essa medida poderia resultar em uma instabilidade jurídica e social ainda mais elevada.


Em vista do apresentado, constata-se a necessidade de avaliar com apreço cada relação contratual para que seja possível precisar os efeitos da pandemia no caso concreto, justificando ou não a utilização de atos de alteração contratual de forma mais assertiva. Sendo assim, antes de tomar qualquer ação referente aos seus contratos em curso, consulte um especialista que esteja apto a analisar a realidade específica da execução contratual.


Caso possua alguma dúvida, entre em contato com a Destro através dos canais disponibilizados no site e salve o blog nos favoritos para ter acesso a mais conteúdos.


Produzido por:

Luan Oliveira

Giovanna Guerra

Notas de Rodapé:


[1] GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.10.

[2] LEAL, Luciana. A onerosidade excessiva no ordenamento jurídico brasileiro. Justiça e Cidadania. Publicado em: 05 jan.2003. Disponível em: https://www.editorajc.com.br/a-onerosidade-excessiva-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 03 ago.2020.

[3] Ibid.

[4] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 329.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

[6] FARO, Alexandre et al. Pandemia do coronavírus, teoria da imprevisão e revisão de contratos. Conjur. Publicado em: 12 abr.2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-12/opiniao-pandemia-teoria-imprevisao-revisao-contratos#_ftn7. Acesso em: 03 ago.2020.

[7] BRASIL. Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 05 ago.2020.

[8] FARIA, Raphael. Pandemia de Coronavírus e a Revisão ou Rescisão do Contrato. Jusbrasil. Publicado em: 01 abr.2020. Disponível em: https://raphaelgfaria.jusbrasil.com.br/artigos/830080027/pandemia-de-coronavirus-e-a-revisao-ou-rescisao-do-contrato. Acesso em: 03 ago.2020.

[9] SCHREIBER, Anderson. Devagar com o andor: coronavírus e contratos - Importância da boa-fé e do dever de renegociar antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional. Migalhas. Publicado em: 23 mar.2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322357/devagar-com-o-andor-coronavirus-e-contratos-importancia-da-boa-fe-e-do-dever-de-renegociar-antes-de-cogitar-de-qualquer-medida-terminativa-ou-revisional. Acesso em: 14 abr.2020.

[10] SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar. São Paulo: Saraiva, 2018.

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