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A Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/18) no combate das Fake News





O presente artigo busca elucidar como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) está associada ao compartilhamento de Fake News e como ela pode servir de instrumento para seu combate. Para isso, cumpre-nos, inicialmente, discorrer sobre alguns conceitos iniciais da LGPD.


1. CONCEITOS INICIAIS: Lei Geral de Proteção de Dados


A LGPD ou a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13.709/2018), publicada em 15/08/2018) foi inspirada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (norma de proteção de dados de cidadãos europeus), isto é, obtém referência internacional e se refere a um direito fundamental do cidadão. Nesse viés, trata-se de uma norma baseada em princípios de proteção do tratamento (operação realizada) com os dados pessoais, seja no setor de direito público ou privado. Tais princípios considerados são: finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção e não discriminação, responsabilização e prestação de contas (referência ao Artigo 6° da Lei). Essa se aplica a qualquer pessoa física que realize operações de tratamento de dados pessoais em território nacional, enfatizando os temas de Privacidade, Transparência e Proteção de Dados. No entanto, aspectos significativos ainda são constantemente debatidos e há um longo caminho pela frente para sua efetivação plena e satisfatória.


Outrossim, há uma categoria de dados sensíveis que vão além dos dados pessoais (referência ao Artigo 5°, inciso II, da Lei). Esses necessitam de maior grau de proteção, pois além da identificação pessoal através de tais informações, pode haver algum tipo de discriminação devido ao que esses abarcam, como origem racial ou étnica, filiação à organizações políticas ou religiosas, informações genéticas e de biometria ou de orientação sexual. Tal fato acarreta, em diversos casos, problemas psicológicos e mentais para a pessoa afetada, influenciando a qualidade da própria vida do ser humano.


Hodiernamente, é crucial a reflexão sobre a cautela com o processamento de dados pessoais, haja vista a rápida circulação e, consequentemente, amiúde, a disseminação de dados em locais que sequer pode se ter ciência. A pandemia do COVID-19, ainda, aflorou esse processo referente ao avanço das tecnologias em pouquíssimo tempo por necessidades de inovações de empresas em um período de excepcionalidade, favorecendo o crescimento, até mesmo, de uma dependência tecnológica. Ou seja, em muitos casos, o cidadão se torna, cada vez mais, refém de empresas ou sites, por exemplo, em que coloca seus dados, sem saber como estão sendo processados. Desse modo, afirma-se a fundamentalidade de regulação através da legislação do país, fornecendo a segurança, tanto da empresa quanto do cidadão em uma economia digital, e a melhor ciência dos usos indevidos de uma questão-chave do nosso tempo.


2. INTERFACES ENTRE O COMPARTILHAMENTO INDEVIDO DE DADOS E A DISSEMINAÇÃO DAS FAKE NEWS


Nessa conjuntura, é essencial também destacar a temática das “Fake News” que, infelizmente, expressa-se, cada vez mais, na chamada “era da pós-verdade”, época em que fatos objetivos são questionados enquanto notícias sem fundamentos são aceitas e propagadas por razões político-sociais. Dúvidas acerca de fatos são instigadas com base em crenças pessoais, e a veloz tecnologia dos tempos atuais possibilitam tal manipulação sobre a massa dos usuários, geralmente desatentos e pouco céticos às informações que consomem.


Sob esse prisma, meios não faltam para que conteúdos falsos se disseminem entre os internautas. A dinâmica algorítmica das redes sociais funciona distribuindo informações conforme os dados pessoais coletados e armazenados na plataforma. Assim, ao traçar os perfis digitais das pessoas pelo histórico de navegação, pelo tempo gasto em postagens, pelas interações com outros usuários, etc, torna-se possível identificar as tendências de comportamento do usuário e direcionar a ele conteúdo específico.


Dessa forma, a coleta indevida de dados, na qual a transparência daquilo que pelas empresas é acessado não fica evidente aos usuários, pode ensejar a violação da LGPD, a uma paralela disseminação estratégica de “Fake News”, haja vista que eles têm, assim, seu consentimento vulnerável aos interesses de marketing. Além disso, há também a questão dos disparos em massa, os quais, para funcionar, guiam-se por listas de contatos de fornecedores de dados telefônicos, de endereços de e-mail, dentre outros, que possibilitam o encaminhamento excessivo de mensagens automatizadas para tais usuários, que não, necessariamente, sabem da exposição de seus dados pessoais para fins de divulgação de conteúdos patrocinados, incluindo os enganosos. Esse uso inadequado das informações individuais pode ainda ocorrer pelo seu vazamento ou até mesmo pela sua venda, que, eventualmente, acarreta a criação de perfis falsos apropriadores de dados alheios com a finalidade de induzir a opinião dos usuários vulneráveis.


Por conseguinte, a perversidade do tratamento de dados pessoais inadequado, conciliado à divulgação das Fake News, reside no fato de que o engano às pessoas é realizado pela avaliação dos próprios interesses delas, tornando-as muito mais suscetíveis a acreditar em um conteúdo falso direcionado pelos seus dados não eficientemente protegidos.


Analisando exemplos concretos, essa manipulação de dados pode ser facilmente observada no âmbito das eleições, conforme reportagem publicada pelo site de notícias “Brasil de Fato”. No ano de 2022, no período eleitoral, ocorreu um caso em que várias pessoas receberam, sem consentimento, mensagens via SMS referentes aos resultados do primeiro turno que insinuavam, inclusive, possíveis reações sociais dependendo de quais fossem eles. A mensagem de texto possuía como remetente um sistema do Paraná Inteligência Artificial que, a priori, deveria prestar serviços públicos. Nesse contexto, os destinatários de tal comunicado expressaram confusão por não saberem como seu telefone de contato poderia ter sido utilizado para esse fim de cunho político sem um prévio consentimento.


Diante do exposto, fica nítida a dupla lesão a qual tais usuários ficam sujeitos: O indevido uso de seus próprios dados pessoais e a exposição a conteúdos falaciosos. Assim, essa danosa combinação explora ainda mais o caos de situações polêmicas para beneficiar interesses individuais em detrimento dos coletivos. Urge, portanto, a necessidade de considerar a função da Lei Geral de Proteção de Dados nesse cenário.


3. A LGPD NO CONTEXTO DE COMBATE ÀS FAKE NEWS


Já sabemos que o compartilhamento de dados é uma ferramenta utilizada pelos agentes propagadores de Fake News e, além disso, é notório que, ao regular o compartilhamento de dados, a LGPD influencia nas atividades desses agentes, mas como? Quais as previsões pertinentes? Quais os seus impactos na prática?


Inicialmente, cumpre-nos destacar algumas disposições do art. 6º da referida lei, que elenca os princípios, essencialmente os incisos I (finalidade), IV (livre acesso), VI (transparência), VII (segurança) e X (responsabilização e prestação de contas). Em conjunto, elucidaresmos outros dispositivos importantes.


Em primeiro lugar, o inciso I estabelece que os agentes de tratamento de dados devem utilizar os dados dos titulares para propósitos pré-definidos e específicos. Em complemento a isso, o art. 7º discorre sobre os requisitos do tratamento de dados pessoais, dispondo, também, sobre possíveis finalidades, como em seu inciso V, que permite o tratamento “quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte o titular, a pedido do titular dos dados” (BRASIL, 2018). Nesse sentido, os agentes não podem, posteriormente à coleta de dados, dar uma finalidade diversa àquela divulgada, sem qualquer comunicação e consentimento dos titulares. Na mesma linha, há o art. 15, que determina o término do tratamento quando a finalidade é alcançada.


Em segundo lugar, o inciso IV dispõe que os titulares devem possuir facilidade na consulta acerca do compartilhamento de seus dados. Juntamente a essa ideia, há o inciso VI, que institui a transparência, ou seja, além de ter o acesso, os titulares precisam ter acesso a informações claras sobre quais, como e para que os seus dados estão sendo e/ou serão utilizados. Esses dispositivos representam um verdadeiro instrumento de fiscalização pelo próprio titular. É importante destacar, ainda, que a fiscalização deve ser realizada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), conforme art. 55-J, IV.


Em seguida, há a preocupação com a segurança no inciso VII do art. 6º. Os agentes de tratamento de dados devem adotar medidas técnicas e administrativas para evitar que ocorra o acesso e/ou o vazamento indevido de dados. Vinculado a isso, destaca-se o inciso X do art. 6º e o art. 42, que preveem a responsabilização dos agentes de tratamento de dados em razão do exercício irregular do tratamento de dados. Ademais, cumpre ressaltar as sanções administrativas previstas a partir do art. 52, que dão maior eficácia às disposições da lei, através de seu caráter punitivo. Representa, portanto, um incentivo para que os agentes cumpram as normas previstas na LGPD.


Em resumo, podemos dizer que, ao ensejar maior fiscalização, a ser realizada, tanto pela ANPD, quanto pelos próprios titulares dos dados; ao definir padrões de posturas e limites ao tratamento de dados pelos agentes; ao estabelecer a publicização do uso de dados e; ao conferir uma possível consequência punitiva quando do descumprimento às normas, a LGPD impede, em teoria, a venda de contatos pessoais para terceiros não autorizados que visam o compartilhamento de Fake News, o disparo em massa de Fake News em redes sociais, o uso do algoritmo para incentivar posicionamentos baseados em Fake News, dentre outros infindáveis exemplos imagináveis que representam violações a LGPD e que podem servir de instrumento para a propagação de Fake News. São práticas que violam, não somente, mas fundamentalmente, o artigo 6º, ao infringir a finalidade, o livre acesso, a transparência e a segurança.


4. CONCLUSÃO


Por fim, é interessante destacar o trecho do artigo “A era das Faka News: Manipulação, Democracia e a Lei Geral de Proteção de Dados”, de Elaiza Martins:


Apesar de a LGPD prometer cuidar dos dados dos usuários, suprindo uma lacuna deixado pelo Código Civil e pelo Marco Civil da Internet, ela ainda não é o suficiente para combater as Fake News, visto que o cenário em que essas notícias se encontram é bem mais amplo do que o alcançado pela lei. Ela pode servir como balizadora e amenizar os danos causados, porém é necessário que haja uma regulamentação própria, específica para lidar com a disseminação de Fake News e sua interferência no regime democrático, com sanções apropriadas (MARTINS, 2020. p. 61).


A LGPD, como demonstrado ao longo do trabalho, cumpre um importante papel no combate às Fake News, mas apenas em relação àquelas suscetíveis de serem divulgadas através de meios e condutas contrárias à norma. Por isso, é fundamental que haja uma legislação específica sobre o assunto, que vise mitigar ao máximo a desinformação. Nesse cenário, surge o Projeto de Lei nº 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e “cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail” (HAJE, 2020). Seria o PL um possível caminho para uma maior efetividade no combate às Fake News?



Produzido por:

Júlia Corrêa

Larissa Burgues

Letícia Rodrigues Deveza


Referências Bibliográficas:

Brasil. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, DF: Presidência da República, 2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm>. Acesso em: 28 mar. 2023.


HAJE, L. Projeto do Senado de Combate a notícias falsas chega à Câmara, 2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/673694-projeto-do-senado-de-combate-a-noticias-falsas-c hega-a-camara/>. Acesso em: 28 mar. 2023.


MARTINS, E. A era das Fake News: Manipulação, Democracia e a Lei Geral de Proteção de Dados. Centro Universitário UNB, São Luís, 2020.


LIMA, Cintia e SAMPAIO, Maria Eduarda. LGPD e combate às fake news. Migalhas. 2020. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-protecao-de-dados/332907/lgpd-e-combateas-fake-news>. Acesso em 27 mar 2023.


EVANGELO, Naiara. Abuso eleitoral: dados de cidadãos foram usados indevidamente para pedir votos 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/12/17/abuso-eleitoral-dados-de-cidadaos-foram-usa dos-indevidamente-para-pedir-votos>. Acesso em 27 mar 2023

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